O desafio agora é transformar os sistemas educacionais em algo mais adequado às necessidades do século XXI. No centro desta transformação precisa haver uma visão radicalmente diferente da inteligência e da criatividade humanas. (Ken Robinson)[1]“No princípio Deus criou os céus e a terra. Era a terra sem forma e vazia; trevas cobriam a face do abismo, e o Espírito de Deus se movia sobre a face das águas”. (Gn,1.1-2). Assim tem início o “Gênesis”, o primeiro livro da Bíblia, escrito há aproximadamente 3 mil anos, no qual se evoca a origem do mundo. Deus disse “faça-se a luz” e a luz foi feita. A luz virou dia e a noite transformou-se em trevas. E Deus prosseguiu por mais seis dias criando a terra, o mar, as plantas, o sol, a lua, o céu, as estrelas, as aves, os peixes, os animais, o homem e a mulher. No sétimo dia, quando viu que sua esplendorosa obra estava concluída, Ele descansou. O texto apócrifo que a seguir transcrevemos não está na Bíblia:
No oitavo dia, o Supremo Ser chamou Adão e Eva e lhes disse: a minha parte está feita, o resto é com vocês. Para tudo ficar pronto faltam ainda bilhões de anos, mas dotei vocês de pernas e braços e de um cérebro privilegiado capaz de tudo construir. Estou certo de que com a mente potente que lhes dei e com a capacidade de invenção, com a criatividade e com o espírito inovador de vocês não haverá desafios que não sejam capazes de afrontar.Depois de Deus, para aqueles que nele acreditam, todo o restante é obra da mente humana, graças ao seu maior recurso, a criatividade. Como não somos especialistas no tema criatividade, fomos buscar em Ken Robinson o apoio necessário para as nossas análises. Segundo ele, as crianças são naturalmente criativas e sua curiosidade inata constrói dezenas de narrativas para solucionar as suas dúvidas existenciais. Mas com o tempo, a escola, a família e a sociedade cuidam de enquadrá-las nos seus padrões vivenciais. Desse modo, só permanecem criativas aquelas que conseguem driblar o cerco do sistema. Embora tudo o que exista no mundo tenha nascido do enfrentamento de um desafio solucionado pela mente humana, a batalha para a construção de uma vida melhor ainda continua. A realidade está mudando muito mais rapidamente do que no passado e, a cada dia, enfrentamos desafios novos. Nesse contexto, as empresas querem pessoas capazes de ser abertas e flexíveis ao novo, de pensar de forma criativa, de trabalhar em equipe e de compartilhar pensamentos e ações. Para conceituar bem a criatividade, como maneira de desenvolver ideias originais que acrescentam valor às coisas, estabeleceremos as suas relações com suas duas irmãs siamesas – a imaginação e a inovação. A imaginação, como processo de vasculhar pensamentos novos em nossa mente e a inovação, como procedimento para viabilizar as ideias novas e colocá-las em prática. Muitos pensam que criatividade é apenas coisa de artistas, escritores e de publicitários. Na verdade, a criatividade deve estar presente em todas as áreas do conhecimento entre as quais – ciências, matemática, medicina e, principalmente, no mundo das empresas e dos negócios. No entanto, e por mais paradoxal que possa parecer, a criatividade está muito pouco ou quase nada presente nos sistemas educacionais dos países que são resistentes e insensíveis às transformações. Inquestionavelmente, vivemos uma revolução global em que toda a inteligência se apresenta cada vez mais focada na busca do equilíbrio e do desenvolvimento da natureza. A história da trajetória humana sempre foi violenta. No entanto, o que nos diferencia agora é o processo de escala e a velocidade das mudanças, por meio dos quais duas forças se destacam – a inovação tecnológica e o crescimento populacional aliado ao explosivo e descontrolado movimento da população de imigrantes que caminha pelo mundo. Em síntese, constatamos que, estando numa época de transformações, deveremos pensar e reagir de forma diferente de como temos feito até agora para sobreviver e sobrepujar as dificuldades. Para que isto aconteça, precisaremos organizar e adequar as nossas empresas e principalmente os nossos sistemas educacionais à realidade do mundo atual. O axioma de tudo isto é que as empresas e os governos precisarão reconhecer que a educação e o treinamento são as respostas para todas as questões que levantamos, tendo em vista que enfatizam a importância da capacidade criativa e inovadora. Hoje em dia, em qualquer país, a educação começa a ser – tal como ocorre na política e no controle ambiental – uma das maiores preocupações das famílias. Infelizmente a questão só vai ser discutida quando os filhos estiverem na universidade e quando os pais começarem a se preocupar se eles vão se dar bem neste mundo competitivo em que, cada vez mais, escasseiam as oportunidades de conseguir boas colocações no mercado. Embora as famílias acreditem que a formação superior vai ajudar seus filhos a encontrar trabalho para que possam ser economicamente independentes, sabem que fórmulas velhas não curam doenças novas. E esta é, de fato, uma constatação mundial. Segundo o relatório Global Employament Trends for Youth (2010), divulgado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), existem no planeta cerca de 620 milhões de jovens economicamente ativos, dos quais 81 milhões não trabalham. Esta é uma preocupação imensa da OIT, considerando que os recém-egressos das universidades já entram nas estatísticas do desemprego. Este legado de crise representa a perda da esperança de conquista de uma vida digna e útil para toda uma geração que não consegue emprego e que é varrida do mercado de trabalho. A OIT considera ser este um grande desafio, pois não adianta nos preocuparmos apenas com a quantidade, mas sim com a qualidade dos empregos gerados. Thomas Friedman, autor do livro “O mundo é plano: uma breve história do século XXI” tem um pensamento bem claro sobre esta questão. Ele diz:
Os que tiverem capacidade de imaginar novos serviços, novas oportunidades e novas formas de estabelecer o trabalho serão os intocáveis. Os que tiveram imaginação de inventar maneiras mais eficientes de realizar tarefas antigas, prestar novos serviços com menos gasto de energia, de encontrar maneiras de atrair antigos clientes ou novas formas de combinar tecnologias disponíveis terão sucesso.Em todo o mundo, os governos estão investindo um arsenal de recursos humanos e financeiros em reformas dos sistemas educacionais que, de uma forma geral, têm sido avaliados por meio de modelos inibidores de qualquer tipo de inovação. No caso brasileiro, os índices usados no processo avaliativo praticamente obrigam as instituições a “treinar” para obter a nota máxima – 5 – e a considerar secundários os outros aspectos da vida institucional, em total dissonância com a realidade. Sabemos que muitos educadores desejam oferecer formas mais dinâmicas de formação, por meio do uso adequado da energia criativa dos estudantes, mas se sentem desanimados por precisar lutar contra as normas regulatórias referentes à avaliação e à regulação da educação superior. Enquanto o governo, as instituições de ensino, os professores, os alunos, a sociedade, as empresas e as famílias não se derem as mãos e se sensibilizarem para encontrar soluções dos desafios do século XXI, corre-se o risco de assistirmos, daqui a poucos anos, as mesmas revoltas populares contra tudo e contra todos, como desabafo daqueles que não acreditam em mais nada. Mas temos a esperança de que isto não aconteça. Para tanto, as instituições brasileiras de ensino superior têm um importante papel a desempenhar. [1] Sir Ken Robinson, de nacionalidade britânica, consultor internacional na área de educação e artes, é autor do livro “Libertando o poder criativo – a chave para o crescimento pessoal e das organizações” (HSM Editora). Foi diretor de Artes nas Escolas Project e professor de Educação Artística da Universidade de Warwick (1989-2001). Robinson recebeu a nomeação de cavaleiro do reino pela rainha Elizabeth II em 2003, pelos serviços prestados à educação. http://sirkenrobinson.com